Quando se
aproximou a hora da ceia de Natal, a matriarca da família, saída da cozinha para a sala,
olhou em volta e vendo que faltava alguém virou-se para a filha mais velha e
perguntou: “Para onde foi o teu pai?” – a filha encolheu os ombros e respondeu. Estava ciente da teimosia e mão-de-ferro da mãe. – “Foi para o
escritório! Tem uma reunião!”
- Reunião? Hoje? Na noite de Natal? Leva-me lá,
agora! - respondeu a mãe com alguma rispidez.
Chegadas à
empresa a senhora saltou do carro, subiu apressadamente a escadaria em direcção à sala de reuniões, escancarou
a porta e lá estava ele, o patrão, numa ponta da grande mesa, qual monarca absoluto, rodeado por uma vintena de homens, com ar de resignados. Dirigiu-se
ao marido e de dedo em riste disse:
- Ouve lá? Não
tens vida? Achas que estes homens que aqui estão não têm famílias? Não tens
vergonha na cara? – gesticulava furiosamente. O milionário não respondeu. A
mulher apontou o dedo indicador a todos os outros presentes, elevou ainda mais a voz e
disse: “Vocês… tudo para casa!” – obedeceram-lhe e, virando-se para o
marido... "E tu, se quiseres, tens o bacalhau à espera!”
A reunião acabou ali. Tudo saiu excepto o patriarca. Só, na grande sala de reuniões, o homem rico, abriu a porta de um armário, tirou de lá uma garrafa de vinho tinto, abriu-a, pegou na rolha e cheirou-a com um ar de prazer supremo. “Fui eu que te fiz!” – sussurrou o rei da cortiça. Era assim conhecido.
A reunião acabou ali. Tudo saiu excepto o patriarca. Só, na grande sala de reuniões, o homem rico, abriu a porta de um armário, tirou de lá uma garrafa de vinho tinto, abriu-a, pegou na rolha e cheirou-a com um ar de prazer supremo. “Fui eu que te fiz!” – sussurrou o rei da cortiça. Era assim conhecido.
Era um homem
mau, malvado! Quando certa vez lhe perguntaram porque despedira cento e tal
funcionários de uma só vez, respondeu secamente que era para prevenir eventuais prejuízos na sua já tremenda conta bancária. Eventuais. Mas perdeu! Naquele ano
perdeu mesmo alguns milhões. A bolsa é também um jogo.
Nos últimos
anos de vida, viveu com problemas de saúde. Manteve-se vivo à custa de operações várias. A ciência manteve-o vivinho da silva por uma dezena de anos.
Fazia-se até, acompanhar permanentemente, por um médico. Tinha dinheiro. Muito
dinheiro. Mesmo muito dinheiro. Era o homem mais rico do país. Morreu como os
outros. Morreu como o carpinteiro morre. Morreu como o pedreiro, o sem-abrigo,
o indigente, o escritor, o actor, como o negro, branco ou amarelo, gordo,
magro, baixo ou alto. Em poucos dias a velha carcaça seria percorrida por
vermes, como a carcaça de um qualquer outro animal.
No dia da
morte do perverso homem, houve festejos em alguns pobres lares. O desemprego, o
sofrimento, a fome, não se apagam com uma borracha e ninguém esquece. Os seus pares
louvaram-no.