segunda-feira, 17 de julho de 2017

O NATAL DE UM HOMEM MAU



  Quando se aproximou a hora da ceia de Natal, a matriarca da família, saída da cozinha para a sala, olhou em volta e vendo que faltava alguém virou-se para a filha mais velha e perguntou: “Para onde foi o teu pai?” – a filha encolheu os ombros e respondeu. Estava ciente da teimosia e mão-de-ferro da mãe. – “Foi para o escritório! Tem uma reunião!”
 - Reunião? Hoje? Na noite de Natal? Leva-me lá, agora! - respondeu a mãe com alguma rispidez.
   Chegadas à empresa a senhora saltou do carro, subiu apressadamente a escadaria em direcção à sala de reuniões, escancarou a porta e lá estava ele, o patrão, numa ponta da grande mesa, qual monarca absoluto, rodeado por uma vintena de homens, com ar de resignados. Dirigiu-se ao marido e de dedo em riste disse:
- Ouve lá? Não tens vida? Achas que estes homens que aqui estão não têm famílias? Não tens vergonha na cara? – gesticulava furiosamente. O milionário não respondeu. A mulher apontou o dedo indicador a todos os outros presentes, elevou ainda mais a voz e disse: “Vocês… tudo para casa!” – obedeceram-lhe e, virando-se para o marido... "E tu, se quiseres, tens o bacalhau à espera!”
   A reunião acabou ali. Tudo saiu excepto o patriarca. Só, na grande sala de reuniões, o homem rico, abriu a porta de um armário, tirou de lá uma garrafa de vinho tinto, abriu-a, pegou na rolha e cheirou-a com um ar de prazer supremo. “Fui eu que te fiz!” – sussurrou o rei da cortiça. Era assim conhecido.
  Era um homem mau, malvado! Quando certa vez lhe perguntaram porque despedira cento e tal funcionários de uma só vez, respondeu secamente que era para prevenir eventuais prejuízos na sua já tremenda conta bancária. Eventuais. Mas perdeu! Naquele ano perdeu mesmo alguns milhões. A bolsa é também um jogo.
  Nos últimos anos de vida, viveu com problemas de saúde. Manteve-se vivo à custa de operações várias. A ciência manteve-o vivinho da silva por uma dezena de anos. Fazia-se até, acompanhar permanentemente, por um médico. Tinha dinheiro. Muito dinheiro. Mesmo muito dinheiro. Era o homem mais rico do país. Morreu como os outros. Morreu como o carpinteiro morre. Morreu como o pedreiro, o sem-abrigo, o indigente, o escritor, o actor, como o negro, branco ou amarelo, gordo, magro, baixo ou alto. Em poucos dias a velha carcaça seria percorrida por vermes, como a carcaça de um qualquer outro animal.
  No dia da morte do perverso homem, houve festejos em alguns pobres lares. O desemprego, o sofrimento, a fome, não se apagam com uma borracha e ninguém esquece. Os seus pares louvaram-no.