quinta-feira, 26 de abril de 2018

Os pitos


A galinha e os pintos andavam por ali, no campo, à cata de minhoca afoita a meter os “cornos” fora do aconchego da terra húmida. Naquele tempo, por essas aldeias fora, num país salazarento, poucas eram as habitações com casa-de-banho dentro de portas. Havia sim, uma casota em madeira, do lado de fora, com um assento no interior com buraco circular de palmo, por onde o pessoal largava o incómodo das tripas. Nessas casotas, normalmente construídas em declives, havia nas partes baixas, uma entrada por trás, usada para recolha do fertilizante natural para as hortas circundantes.
Alguns galináceos aventuravam-se por essa abertura. Sabiam que ali, naquele empório de excreções, andavam lombrigas gigantescas, apetitosas. Muita gente cagava lombrigas no tempo da ditadura. Não havia dinheiro durante a ditadura. Não se morria de fome mas morria-se de doença que a fome trazia. O povo comia o que podia. Fumados mal curados, carne gorda emprenhada por varejas, cascos de coentrada ou focinho de porco com feijão. Depois, a falta de frigoríficos dava nisto. Enchiam-se as tripas com parasitas.
Aquele dia estava soalheiro. A galinha pedrês e os franguinhos implumes esgravatavam no esterco da casotinha quando lá do alto, pelo buraco do banco, lhes choveu em cima em jeito de diarreia, uma cagada de proporções gigantescas. Houve cacarejar de desespero e fuga espavorida da bicheza. Cheias de merda, galinha e pintos abalaram. Mas, as que fugiram, quedaram-se pelas cercanias. Os humanos ocorreram ao epicentro de tal alvoroço. Dois ou três pitos ficaram logo ali, atravancados, em morte lenta e pouco digna.
O autor do despejo anal, apercebendo-se do desastre, incumbiu a mulher de salvar a restante prole. A galinha lá se safou sozinha sacudindo a pouca trampa que lhe cobria a crista. Era ver a pobre mulher do excrementício autor, a mergulhar os pitinhos, em banho de água morna, muito rapidamente, e retirar-lhe todo restante cocó com um paninho húmido. Fraca ideia. A maioria morreria de pneumonia.
Os sobreviventes não escapariam, meses depois, à canja e à cabidela!

quarta-feira, 18 de abril de 2018

A lição

Há muitos anos X foi a tribunal por crime cometido quase em legítima defesa. X sabia da filiação partidária dos juízes. Fora avisado! X tinha 19 anos e ouviu em pleno tribunal o famoso advogado de acusação dizer "aluno da escola Y"! A escola era conhecida como "ninho de comunas"! X nunca tinha ligado à política mas aprendeu! Naquele dia aprendeu e sentiu na pele um pouco da história da humanidade. Foi severamente condenado.