Desloco-me a uma oficina de pintura para saber de preços de pintura ligeira para o meu chaço. O meu calhambeque tem a vetusta idade de trinta-e-qualquer-coisa-anos e gosto dele. Gosto da sua resistência ao tempo. Resiste porque foi feito com materiais duráveis. É um resiliente nato! Poucas coisas tem de plástico. Nunca me deixou ficar mal nas seis viagens que fiz a Leiria e uma a Lisboa, não contando as voltinhas a Guimarães e Porto, com intuito de dar pasto aos olhos! Aos meus! Quando começou a dar sinais de fadiga, encostei-o. Para o arranjar - sobre uma hipotética avaria grave -, pediram-me a quantia aproximada de mil euros! Assustei-me! Encostei-o!
Ao fim de três anos - e porque o outro avariou também e esta sim, grave! Recorri ao velhinho encostado, outra vez, mas, os mil euros ainda eram um grande entrave. Durante os três anos de estacionamento, ciclicamente punha-o a trabalhar. Não se negava. Trabalhava mas, mostrava-me um sereno ronronar com soluços espaçados! Como sei de algumas coisinhas de mecânica, começava a suspeitar da avaria. Trabalhava bem mas tinha...soluços! Trabalhava mas não queria andar! Perguntei a um honesto mecânico, o que é que se passava. "Ele anda?" - perguntou-me o Manel.
-Acho que sim! Pouco, mas anda! - O mecânico vivia e tinha oficina perto da minha morada. - "Traz-mo aqui! Isso não é nada grave!" - Desconfiei de tamanho optimismo. O meu carrito compreendeu que tinha de fazer aqueles metros para lhe melhorar a saúde. Trabalhou, tossiu, soluçou mas chegou à oficina.
Porque o Manel tinha bastante trabalho, telefonou-me ao fim de uma semana e disse: "O carro está pronto! Podes vir buscar!"
Hummm??? Estranhei tal rapidez! Corri para o mecânico e olhei para o meu Ford. Sujinho, vi-o sorrir! O meu Fiesta tem cara de gozo, não tivesse ele de cognome... Fiesta! São trinta aninhos em festa, o sacana! Dei-lhe um banho de pouca água, para parecer mais jovem. Mas o meu carro não é jovem. "Bem, se calhar, vou mandar pintar-te pá!" - Falei-lhe telepaticamente! O gajo não tirou a cara de gozo e enviou-me a resposta: "Achas que vale a pena?"
-Vale pois! - respondi-lhe!
E foi assim que me desloquei ao pintor de carros. O pintor achou que o meu Fiesta não tinha direito a pintura nova. Que era velho! Não valia a pena! "Só se tiver valor sentimental!" - Ai a ladaínha dos sentimentos! Conheço-a de ginjeira! Não preciso estar ligado afectivamente para dar uma pintura nova ao meu chaço! Só o quero pintado, porra! Os 740€ pedidos para lhe dar cara nova foram desanimadores. Setecentos e quarenta euros? Como é que se chega a esta soma? Setecentos, vá lá! Setecentos e cinquenta, entendo; número redondo! Não entendi os 740€!
Já dentro do carro, pedi desculpa à minha lata com rodas. "Não posso pagar esta soma ó Fiesta! Vais ter que andar de cara borrada!"
-Não faz mal ó cota! Tu tens o dobro da minha idade. Se aguentaste até agora, eu também aguento e já agora, faz a barba! O mulherio gosta de gajos de barba feita! Não acredites nas modas! Olha; troca-me mazé os quatro sapatos!
